A neve que faz pulsar mais forte um coração tropical

A neve que faz pulsar mais forte um coração tropical

Minha primeira lembrança da neve é através de uma janela. Não sei bem ao certo se é uma recordação real ou daquelas que ganhamos através de fotos do passado. Era 1975 e nevou em Curitiba. Eu tinha quatro anos e estava com catapora. O que lembro é estar agasalhada, dentro da casa de meus avós, e do alto da janela, ver o gramado branquinho lá embaixo. Imagine só se naquele tempo, alguém iria deixar a criança doente brincar com a neve. Por isso, só ficou a imagem na minha mente. Nenhuma sensação palpável daquele 17 de julho de 1975.

Como já escrevi aqui antes, embora eu seja curitibana, não gosto do frio. Sou uma alma que necessita de sol. Um puro exemplar dos trópicos. Adoro o mar, o pisar na areia e o barulho das ondas. Por isso, sempre que tive oportunidade de tirar férias, a praia era meu destino favorito. O verão a minha estação. No meu sangue latino, corre o calor dos dias quentes e a luz, preguiçosa, do fim de dia, abafado, que se prolonga sempre um pouco mais, antes de dizer o “te vejo logo” na nova manhã.

Mas por causa daquelas ironias do destino, minha vida de “caixeira-viajante” acabou me levando para lugares onde a temperatura abaixo de 0oC nos termômetros não era algo incomum. E aí, tive meu reencontro com a neve. Ou melhor, reencontros.

O primeiro deles foi quando morei dois anos, nos Estados Unidos, no final da década de 80. Ainda adolescente, o que ficou daquela época foram os bonecos de neve, as brincadeiras no quintal de casa com meus irmãos e o trenó improvisado e a felicidade dos dias de nevasca quando a aula era cancelada.

Quase 20 anos depois, já casada e com dois filhos pequenos, fui morar na Suíça. E lá, minha relação com a neve começou a se tornar mais íntima. A expectativa de quando ela aconteceria, o encantamento com os primeiros flocos caindo e a fascinação de ver a paisagem transformada: a natureza vestida de branco.

Esta semana, mais uma vez, tive um reencontro especial com ela. Moro agora nos Estados Unidos, no estado de Maryland, ao lado da capital Washington D.C. Região com estações do ano bem definidas. Na primavera, as flores e o verde das plantas brotam efusivamente, após uma longa temporada de hibernação. No verão, o calor é úmido e abafado, um convite irrecusável para um mergulho na piscina e longas horas no jardim, ouvindo o som das cigarras. Já o outono é o mês da contemplação: as folhas das árvores trocam lentamente suas cores… de tons de verde para o vermelho, alaranjado e enfim, o amarelo… até se desnudarem completamente, sem vergonha nenhuma, e mostrarem que estão prontas para a chegada do frio. E então ele vem, o inverno, que por aqui, é frio, com neve, mas com a presença sempre bem-vinda do sol.

No último final de semana, a previsão do tempo indicava que a neve começaria no sábado, de tarde, e ficaria mais forte ao longo da madrugada, para o domingo. A expectativa de todos era grande porque seria a primeira neve de 2019. Não se esperava um volume grande, mas como afirmavam os meteorologistas, o suficiente para brincar de trenó no quintal de casa.

Os primeiros flocos despontaram no céu ali pelas quatro da tarde. No rosto de meu filho mais novo, de 11 anos, brotou logo um sorriso e os pés, imediatamente, ficaram saltitantes. “Tá nevando, mãe! Tá nevando!”.

Como era previsto, ela chegou tímida. Foi caindo devagarzinho, no seu próprio ritmo. Quando estava escuro, já dava para ver uns 5 ou 6 cm acumulados na soleira da porta. “Mãe, posso tocar?”.

Gelada. Mas macia. Os dedos afundam. Logo depois vem o formigamento. O frio vai deixando a mão avermelhada. Entretanto, antes disso, chega aquela vontade incontrolável de fazer uma bola de neve. Ir modelando, aos pouquinhos, o gelo. E arremessar! Ah… Algo tão banal para quem nasceu em um país com neve, mas tão prazeroso para quem tem seus primeiros encontros e “reencontros” com a grande estrela do inverno.

Fomos dormir. No domingo, no primeiro piscar dos olhos, bate a excitação. A ansiedade é incontrolável. Abrir logo a cortina e ver o que nos espera através da janela (Novamente… a janela e a neve, mais de 40 anos depois…)

O sorriso é instantâneo… Tudo está branco. Branco, branquinho de neve. Os gramados, os telhados, as árvores, as luminárias. De repente, a cidade parece de brinquedo. Frágil, intocada.

O café da manhã é rápido. Movido pela pressa de ir lá pra fora. Quem se importa em vestir ceroula, calça, duas meias, camiseta, suéteres, casacão, gorro, luva e ufa… botas! Afinal, tem neve no quintal.

O gelo foi bem maior do que o previsto. O acúmulo foi de quase 30 cm. O pé afunda. A perna faz força para dar o próximo passo. É como se a gente estivesse andando na lua (pelo menos é o que se imagina!).

E aí, o olhar se perde. É como se por um momento, o tempo parasse. E o silêncio toma conta de mim. Inunda minha alma, assim como o sol. É uma sensação de paz sem igual. Silêncio, que aquieta, conforta.

De repente, no meio de todo aquele branco, um passarinho vermelho cruza o ar e pousa em um galho. O quadro está completo e a pintura terminada. A aquarela branca ganha um rabisco avermelhado. Obra de gênio. Ou melhor, mais uma obra da natureza.

Meu avô, em 1975, em Curitiba, em estado de puro encantamento com a neve

*Este post não fala sobre um destino de viagem específico, mas uma experiência. Então, fica a dica: se você tiver oportunidade um dia, viaje para um lugar onde há neve. É mágico e inesquecível! Mesmo para quem não gosta de frio como eu…

 

Fotos: arquivo pessoal 

3 comentários em “A neve que faz pulsar mais forte um coração tropical

    • 15 de janeiro de 2019 em 11:58 PM
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      Obrigada, queridona!!!

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  • 13 de dezembro de 2022 em 10:56 PM
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    Amei ? ❤️❤️❤️❤️Vi minha primeira neve em Londres

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.