A história de Seu Ruivaldo e sua fazenda submersa no Pantanal

seu ruivaldo e sua fazenda no pantanal

Em 2011, iniciamos nossa jornada pelo Brasil para criar a coleção de posters Aves dos Biomas Brasileiros. Naquele ano, fomos até Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde conhecemos o Moinho Cultural e o Instituto Acaia Pantanal, duas organizações não governamentais comprometidas em melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes da região.

De Corumbá, rumamos para a Escola Jatobazinho, onde desenvolveríamos nossa atividade do projeto Roda de Passarinho. Para alcançarmos nossos futuros alunos, foram três horas de barco rio Paraguai acima.

Nossa chegada coincidiu com a volta às aulas, o que naquela época era um acontecimento marcante, pois as crianças moram na escola por vários meses. Muitas rabetas (tipo de motor de popa) aportaram com famílias inteiras, trazendo seus filhos para o colégio de Jatobazinho.

Ares de despedida, rever amigos de sala, de quarto, professores, merendeiras. Toda equipe estava preparada para mais uma jornada letiva e de convivência.

Poucos são os que têm acesso ao estudo, pois a escola pode estar a até três dias de barco de casa, o que inviabiliza o aprendizado. Seu Ruivaldo Nery de Andrade, de 55 anos, é um dos poucos moradores de Paiaguás, vilarejo a três horas dali, que conseguiu completar o segundo grau. Poderia ter seguido para a faculdade em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, pois seu pai tinha condições, à época, de financiar inclusive aulas particulares, antes de perder todo seu dinheiro por causa das enchentes do Pantanal.

Seu Ruivaldo escolheu seguir o coração e cuidar da Fazenda Mutum, que já é da família há três gerações. O fazendeiro conta que a propriedade foi adquirida logo após a Guerra do Paraguai, quando o “Brasil precisava colonizar esta parte do Pantanal… O meu bisavô foi um dos pioneiros”. E diz mais: “O governo dava milhares de hectares, você chegava, ia cercando… Meu bisavô teve dez filhos e a família ficou por aqui, meu pai casando com a prima… Calculo que isso tudo deve dar uns 200 anos de história!”.

Porém, Seu Ruivaldo e sua esposa, Denise, não lutam somente pela educação dos três filhos, Ruivaldinho, Roberto e a caçula Débora, que graças à Escola Jatobazinho estão encaminhados. Sua maior preocupação é com a enchente. “Fazem muitos anos que as águas permanecem a pelo menos 5 centímetros acima do solo. Isso provoca uma modificação muito forte no ambiente, porque as árvores nativas deixam suas sementes caírem para brotarem na época da seca, porém, com a água por cima, isso fica inviável.”

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A esposa de Ruivaldo, Denise, e a filha Débora dão de mamar ao guaxo

A propriedade do pantaneiro tem 5 mil hectares, dos quais 4,7 mil estão submersos. Seu Ruivaldo tem muito trabalho para barrar a água que verte dos corixos (pequenos cursos d’água que se formam em épocas de chuvas e acabam desaguando em rios maiores), para cultivar o que sobrou de sua fazenda. No início, pensou em fazer pequenas elevações, mas logo percebeu que necessitaria ensacar areia para que o fluxo e as chuvas não desbarrancassem tudo. Pensou também em comprar sacos vazios de adubo, ideia inviabilizada pelo custo, em média 50 centavos/saco. Como necessitaria de milhares, o dinheiro não daria.

Certo dia, de passagem pela Escola Jatobazinho, reparou que recebiam material de construção em sacos que seriam descartados. Lá estava a salvação de sua horta! Autorizado pela diretoria, coletou os sacos e construiu os diques e conseguiu cultivar o que restou de sua grande fazenda. “Dá trabalho, porque reviso os diques e reponho os sacos a cada um ou dois anos, para a água não invadir a plantação de cana, de coco, o pomar, minha casa…” Até hoje, passa de barco pela escola e recolhe os sacos vazios.

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Fazenda vizinha à de Ruivaldo, onde moram os pais de sua esposa

Dos doze irmãos, Seu Ruivaldo foi o único a permanecer no Pantanal. Nos conta que também passou por momentos apertados. “Devido às enchentes tive muita dificuldade, porque a primeira coisa que você perde é o crédito, todo mundo sabe que você está quebrado… e aí a gente teve que ir na dura mesmo, na enxada, na foice, fomos rompendo essas barreiras.”

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Seu Ruivaldo cultiva o coco que nos dá de beber e de comer à galinhas, cães e gatos

Hoje a situação melhorou, após a contenção das águas. O produtor planta cana, mandioca, árvores frutíferas. Possui algum gado arrendado, carneiros e, recentemente, com ajuda do Instituto Acaia Pantanal, construiu um pequeno galpão para produção de rapadura, farinha de mandioca e doce de leite que, modéstia às favas, diz ser o melhor da região.

Os planos não param e a próxima aquisição deverá ser um barco maior e mais rápido, para levar a sua produção em menos viagens e tempo, pois com a sua atual rabeta, demora seis horas até Corumbá, isso quando não tem vento nem chuva.

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As cores do céu do Pantanal no final de tarde

Passamos três dias na Fazenda Mutum e conhecemos a força com que esta família se dedica ao seu chão. Uma história transformadora, de pertencimento, envolvente e determinada a salvar o Pantanal, como Seu Ruivaldo afirma ao final de nossa conversa.

Fotos: Renato Rizzaro & Gabriela Giovanka

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Gabriela Giovanka e Renato Rizzaro

Gabriela Giovanka é administradora de empresas, especializada em Naturologia Aplicada. Renato Rizzaro é designer gráfico e fotógrafo. Juntos criaram a Roda de Passarinho, e com suas viagens de norte a sul do país, buscam aproximar as pessoas da natureza, através de fotografias e do canto das aves, sementes, instrumentos musicais, relatos de vivências e exercícios que inspirem a vida comunitária.