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A caça ao porco e os veganos


Em uma das viagens que fiz à Terra Indígena Munduruku Sawré Muybu, em maio de 2016 – a convite do Greenpeace, para cobrir a campanha contra a construção da hidrelétrica de São Luis do Tapajós e pela demarcação das terras indígenas -, uma cena muito particular do cotidiano desse povo nos desconcertou.

Depois de uma semana de visitas e atividades nas aldeias da região, na companhia de um casal de atores bastante conhecidos e verdadeiramente militantes da causa socioambiental, chega o dia de voltar pra casa.

As despedidas por lá são sempre muito emotivas. Com a presença do casal famoso, que os Munduruku conheciam apenas pela televisão, a emoção foi ainda maior. Muitos selfies, trocas de presentes e declarações mútuas de amor e amizade.

Muitos de nós (éramos seis pessoas mais o casal) com lágrimas nos olhos, embarcaram na voadeira em direção ao Buburé, porto de garimpeiros de onde pegaríamos o ônibus até Itaituba, de onde sairiam os vôos de volta pra casa.

No caminho, naquela paisagem deslumbrante que é o Tapajós, eis que surgem vários catitus ou porcos do mato nadando no meio do rio. Pilotos, indígenas e mais outros quatro tripulantes, também indígenas, entram em polvorosa: começam a falar animadamente na língua deles e desviam o barco na direção dos animais.

Nenhum de nós entende o que está acontecendo até que um dos índios consegue pegar um dos porcos pelas patas de trás e começa a afogá-lo. Foi então que, os brancos entram em pânico com o barco balançando bruscamente e o animal a se debater tentando se livrar do seu algoz. Um alvoroço toma conta da embarcação, todos falando ao mesmo tempo e ninguém, exceto os indígenas, entendendo o que de fato estava acontecendo.

O porco desistiu de lutar, os índios o deram como morto e o puxaram pra dentro do barco. Foi então que o animal começou a se debater novamente. Um dos indígenas que tinha um remo na mão não teve duvidas e desferiu três ou quatro remadas na cabeça do animal que insistia em viver. O pânico se transformou em choradeira e desespero, especialmente por parte das quatro pessoas veganas que faziam parte da expedição.

Foi necessária a intervenção de um dos membros do Greenpeace para que os Munduruku parassem de golpear o animal imobilizando-o amarrado na proa no barco. Ânimos e lágrimas semi serenados, os índios começam a explicar a importância daquela caça para a comunidade.

Aquele porco de mais ou menos 50 Kg alimentaria boa parte da aldeia por vários dias. Ali, no meio do Rio Tapajós, a caça, a pesca e a lavoura são as principais fontes de alimentação, o mercado mais próximo fica a mais de 10hs de barco ou quatro de carro, não há transporte regular naquela região como em muitas outras da Amazônia.

Diante de uma situação como essa, o que nos resta, a nós brancos, é, pelo menos, tentar entender outros valores, culturas e crenças que nos são estranhos. O porco é um animal sagrado que faz parte da história, da cultura, da cosmologia e, principalmente, da alimentação Munduruku. Portanto, cabe aos visitantes respeitar tais ritos, por mais ofensivos que possam parecer à nossa cultura ou ao nosso paladar.

O pobre catitu dormiu, a viagem seguiu por mais uma hora no mais absoluto silêncio, todos contemplando a natureza exuberante, certamente pensando e tentando entender aquela magnifica experiência pela qual tivemos a oportunidade de passar. Temos muito a aprender com o índios.

Ah… e antes que alguém pense que eu escrevi este meu post de estreia, aqui no blog Por Trás das Câmeras do Conexão Planeta, depois da Operação Carne Fraca da Política Federal e da “guerra” que se criou entre carnívoros, vegetarianos e veganos a partir daí, já aviso: foi antes, em 15 de março.

Abaixo, estão mais duas fotos que tirei na ocasião e revelam o momento em que os índios puxaram o porco para dentro do barco e, depois, o deixaram em paz para atender ao apelo dos companheiros de viagem. Não há nada de estético, aqui. Foi minha alma de jornalista que capturou as imagens.

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Renato De Paiva Guimaraes

Sensacional o texto e o relato em si. O trabalho com diferentes culturas representa sempre um desafio de desapego das nossas certezas mais profundas. Grande abraço!

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